Capítulo 1: O Amanhecer Seguinte "Parte 3"
Quando Lorna saiu de casa naquela manhã, sabia que seria um dia agitado.
Ela tinha dois objetivos naquele dia. Primeiro, e mais importante, precisava reunir mais informações sobre algumas coisas que descobriu ao ler mais algumas páginas do caderno que encontrou escondido sob uma pedra solta no quarto de seus pais.
De tempos em tempos, ela vinha lendo esse caderno desde então. E a cada página, ficava mais e mais impressionada. Mas não era aquela sensação boa que você tem ao descobrir algo novo e maravilhoso sobre algo que você pensava que nunca mais seria surpreendido. Havia um gosto amargo em sua boca, e ela temia o que a próxima linha revelaria, pois cada palavra era como uma punhalada, dissolvendo as lembranças felizes que tinha sobre seus pais.
Por isso, ela precisava saber mais. Precisava entender o que tudo aquilo significava. Se esse caderno fosse destruir tudo em que ela acreditava sobre seus pais, então que assim seja. Ela preferia saber a verdade do que continuar vivendo na mentira. Então, quando alguns nomes e locais começaram a aparecer mais do que apenas uma ou duas vezes, foi a pista perfeita para começar a seguir, tentando entender o que tudo aquilo realmente significava.
O segundo objetivo era mais difícil, pelo menos para ela: ir para a entrevista de emprego na nova taverna que sua vizinha havia mencionado, quase uma semana atrás.
Não é que ela não quisesse ir. Pelo contrário, ela estava bastante animada quando pensou nisso pela primeira vez. Mas quando a empolgação passou, tudo o que ela conseguia pensar era que não estava pronta para isso. Ela não estava pronta para assumir tanta responsabilidade, não se sairia bem no trabalho, seja cozinhando, limpando ou servindo bebidas, inferno, até mesmo se fosse apenas ficar lá e sorrir, ela certamente fracassaria. E isso a deixava muito nervosa.
No entanto, ela deu sua palavra à Sra. Landburry, e o Sr. Landburry até escreveu uma “carta de recomendação” para ela. Eles foram tão gentis e realmente queriam o melhor para Lorna. Ela provavelmente iria decepcionar todos em seu novo emprego – se ela conseguisse, mas não poderia decepcionar a Sra. e o Sr. Landburry. Não, não dessa forma. Ela iria lá, faria a entrevista, conversaria com a pessoa responsável e falharia em todas as oportunidades possíveis no trabalho, como a mulher adulta que era!
Mas primeiro as coisas primeiro. A investigação.
O nome “Goldfrey” e uma loja de revenda conhecida como “Pedigree” surgiram algumas vezes, frequentemente conectados um ao outro. Então, depois de algumas horas procurando pela loja e perguntando onde ela achava que essa loja poderia estar localizada, Lorna finalmente a encontrou!
Agora, não era a primeira vez que Lorna fazia isso. Mas isso não significava que havia se tornado melhor nisso. Alguns dias antes, ela localizou o lugar “Goma de Tralhas”, uma oficina de máquinas, mas não conseguiu fazer mais conexões com o que sabia do caderno ou descobrir algo a respeito. Dois dias antes disso, ela descobriu que Graham Lamatrè era o nome de um membro do Conselho Divino, um dos muitos mortos quando a Bomba de Mana explodiu sua torre. Mas não muito mais do que isso…
Do outro lado do balcão da Pedigree, havia um jovem Gnomo, vestindo o que parecia ser o uniforme da loja. Ele sorriu alegremente quando Lorna entrou. Ela não. Colocando as mãos na peça de madeira que os separava, ela foi direto ao ponto.
Estou aqui para ver Goldfrey.
Lorna
Sua expressão permaneceu séria, enquanto o homem sorridente esperava alguns segundos antes de inclinar a cabeça um pouco e responder, o sorriso agora em uma mistura de confusão.
D-Desculpe, quem? Quem é Goldfrey, senhorita?
Atendente
A forma como seu sorriso desapareceu o fez parecer um idiota, e isso irritou Lorna. Ela insistiu.
Olha, eu não estou aqui para brincadeiras, não tenho tempo para isso. Preciso falar com Goldfrey, e preciso fazer isso agora! Você entendeu, senhorito?
Lorna
O sorriso desapareceu agora, e ele mordeu o lábio inferior. Ele parecia confuso ainda, mas agora com uma mistura de medo, talvez. Ele parecia nervoso.
D-Desculpe, senhora, eu não quis ofendê-la, ou… – Olha, eu não sei quem é Goldfrey, certo? Ele não trabalha aqui, e também não é um cliente frequente.
Atendente
Mantendo a atuação, Lorna fechou os olhos e inspirou profundamente, como se estivesse tentando se conter antes de bater no pequeno homem. Na realidade, ela estava ganhando tempo, deixando o homem se remoer em seus próprios pensamentos e medos, enquanto tentava encontrar o próximo golpe.
Este é o ‘Pedigree’, não é? Eu sei que Goldfrey não gosta de ficar esperando, e o que tenho para ele é de extrema importância para os seus… negócios. Então você pode me dizer onde ele está, ou terá que enfrentar não a mim, mas a ele.
Lorna
O jovem atendente estava quase chorando naquele momento, enquanto Lorna tentava manter uma expressão séria. Ele gaguejou um pouco antes de conseguir responder corretamente à garota.
E-Estou tão confuso agora! Sinto que deveria saber quem é esse Goldfrey, e estou realmente atrapalhando por não dizer o que você quer saber. Mas eu juro, em nome dos Deuses, que possam levar minha alma e a de minha mãe, não consigo pensar em nada chamado Goldfrey agora, e peço desculpas, muitas desculpas por isso, senhora! Sinto muito mesmo!
Atendente
Mantendo um olhar firme no rosto do homem, Lorna o encarou intensamente por alguns segundos. Foi só quando ouviu a campainha atrás dela que ela abandonou a atuação. Alguém estava entrando na loja, então ela tinha que agir normalmente.
Bem, então eu devo estar no lugar errado. Não se preocupe então, amigo. Desculpe incomodá-lo com isso! Até mais!
Lorna
Ela disse, divertida, sorrindo e quase rindo, antes de se afastar e caminhar de volta para a porta, sem dar ao Gnomo a chance de responder ou mesmo processar o que estava acontecendo. Ela olhou para trás uma vez, além da camisa verde do alto Elfo que havia entrado na loja, além do balcão, para o Gnomo, apenas para vê-lo com uma expressão de profunda confusão em seu rosto corado, como se o mundo inteiro tivesse se mostrado falso bem diante dele.
Contendo o riso em sua garganta, Lorna conseguiu fechar a porta atrás dela antes que escapasse de sua boca, e por um momento ela esqueceu toda a tensão que estava vivenciando nas últimas semanas. Ela riu alto, afastando-se rapidamente da loja ‘Pedrigree’. Ela não obteve a informação que queria, mas certamente se divertiu.
E agora, para a segunda parte. A entrevista.
A nova taverna era definitivamente nova. Não havia manchas de hidromel no chão, o lugar não cheirava a vinho barato e suor, e nenhuma das cadeiras rangia e parecia prestes a se desmontar. Era um lugar agradável, no geral. ‘A Tartaruga Enigmática’ era seu nome.
Quando Lorna entrou pela porta, o lugar ainda não estava aberto. Duas pessoas – uma garota humana e um homem anão, estavam varrendo o chão do grande salão. As cadeiras estavam todas em cima das mesas, e as cortinas estavam fechadas. Do outro lado da porta, ela podia ver a cozinha, vazia nesta hora, com enormes panelas colocadas em cima do que ela podia apenas adivinhar serem os fogões. No balcão, um pequeno pássaro sentado ao lado de algumas xícaras e canecas. Era amarelo, com algumas penas de cor marrom-claro, e olhava frequentemente de um lado para outro. E foi desse balcão que, alguns segundos depois de entrar no local e alguns passos incertos em direção a ele, Lorna ouviu uma voz, chamando-a.
Você aí, garota. Ainda não estamos abertos.
???
Ela hesitou, parando onde estava. Olhando ao redor, não conseguia ver ninguém além desses dois. Eles continuaram varrendo, mal olhando para Lorna quando ela entrou.
Meu nome é Lorna. Estou aqui para uma entrevista. A Sra. Landburry me enviou…?
Lorna
Ela não tinha certeza disso totalmente, mas era a melhor coisa que conseguia pensar para responder àquela voz desencarnada.
Ah, sim! A garota Crawford. Entre, entre. Pegue a escada à direita. Me encontre em meu escritório, sim?
Voz Desencarnada
No lado direito do fundo do salão principal, as escadas levavam ao segundo andar. Lorna acelerou o passo e, olhando para o balcão e o pássaro novamente, subiu as escadas. A madeira ali era nova e as tábuas quase não faziam barulho sob seus passos. Este andar superior consistia em três quartos, pelo que parecia. Lorna podia ver três portas, sem sinais nelas, mas apenas uma delas estava entreaberta. Ela se aproximou lentamente da porta e espiou lá dentro.
Uma mulher com cabelos longos e escuros, pele vermelha-acinzentada e dois chifres curtos na cabeça estava sentada em uma mesa elegante. Ela tinha a cabeça baixa, lendo alguns papéis à sua frente, uma pena de escrever em uma das mãos. Ela parecia estar vestindo um terno, cinza-escuro com linhas pretas. Sem levantar a cabeça, ela disse.
Vai entrar ou passar o resto do dia admirando a minha presença?
Lady Rocheveron
Claramente era uma piada, mas não havia humor em sua voz. Ela tinha um tom sério, e era a mesma voz que Lorna ouviu lá embaixo, falando com ela.
Peço desculpas, eu não queria incomodar, Senhorita…
Lorna
Quando a garota entrou no escritório e sentou-se em uma das cadeiras em frente à mesa, a mulher colocou a pena de lado e olhou diretamente para Lorna. Seus olhos eram pretos, com um único anel dourado em cada um, como pupila. Ela era uma Sangue-Vil, uma Humana nascida com características e traços Infernais, de genes latentes de gerações passadas. Sangues-Vils eram diferentes de Meio-Demônios, isso Lorna sabia, então apesar da primeira forte impressão, ela não estava com medo ou suspeita, apenas surpresa.
Meu nome é Rocheveron. Lady Rocheveron. Mas você pode me chamar de apenas Rocheveron, ou Roche, para ser breve. Prazer em conhecê-la, Lorna Crawford.
Lady Rocheveron
Lady Rocheveron sorriu, revelando suas presas longas e pontiagudas. Lorna se forçou a olhar para outro lugar e se concentrou nos olhos dela. Era a coisa educada a se fazer.
O prazer é meu, Lady Rocheveron. Er, Roche.
Lorna
Pegando sua pena, Roche puxou uma folha em branco de uma pilha à sua direita e começou a escrever, olhando ocasionalmente para Lorna enquanto conversavam.
Então, Jermy Landburry, o padeiro, recomendou este trabalho para você, estou correta?
Roche
Quando Lorna falou desta vez, estava mais confiante, mais enérgica e determinada a fazer as coisas funcionarem!
Sim! Ele e sua esposa, Alda Landburry, são meus vizinhos e amigos próximos. Aqui, tenho essa carta deles.
Lorna
Ela ergueu a mão, oferecendo o pedaço de papel dobrado dentro do envelope para Roche. O papel em que a carta foi escrita era de qualidade inferior, comparado aos que estavam na mesa de Roche. Os Landburrys não eram comerciantes ricos, afinal de contas. Apenas muito bons.
Roche abriu a carta e seus olhos dançaram rapidamente sobre o papel enquanto ela lia.
Ele falou bem de você, criança. Na verdade, ele acredita tanto em você que ameaçou parar de me vender aqueles deliciosos pães se eu não te contratasse para este emprego.
Roche
Os olhos de Lorna se arregalaram e seu coração começou a bater mais rápido. Aquilo pegou-a de surpresa, e ela não sabia se estava brincando ou dizendo a verdade.
O que?! Não! Por favor, não leve isso em consideração! Eu sei que posso estar fora da minha capacidade aqui, então não se sinta obrigada a me contratar ou algo assim. Vou falar com o Sr. Landburry sobre isso!
Lorna
Um pequeno sorriso apareceu em um lado da boca de Roche, enquanto ela acenava com a mão, dizendo para Lorna não pensar nisso. Provavelmente foi apenas uma piada, então.
Mas me conte, quais são suas qualificações? Você cozinha? Tem experiência em servir mesas ou preparar bebidas? Já trabalhou diretamente com pessoas?
Roche
Respirando profundamente, tentando manter a calma, Lorna começou a pensar. Ela se sentiu um pouco desanimada, percebendo que não tinha experiência nisso. Isso foi uma perda de tempo, afinal.
Não, não tenho nenhuma experiência nisso. Eu cozinho apenas para mim, e geralmente está longe de ser uma boa refeição. Na verdade, nunca precisei trabalhar antes, meus pais…
Lorna
Lorna parou por aí. Ia dizer que seus pais eram comerciantes viajantes – era o que ela contava a todos em sua vida nos últimos 20 anos. Era o que ela sabia, era sua verdade absoluta. No entanto, essa verdade foi despedaçada semanas atrás, quando Lorna encontrou aquele caderno, com nomes e lugares que ela nunca ouvira falar. Ela ainda não entendeu tudo, não tinha certeza do que significava. Mas uma coisa era certa: eles não eram apenas simples comerciantes viajantes, e eles haviam mentido para ela durante toda a sua vida.
Ela teve que se forçar a se acalmar antes que começasse a hiperventilar, então fechou os olhos e voltou ao presente, à entrevista com Lady Rocheveron.
Eu costumava morar com meus pais, antes de eles morrerem. Foi há pouco mais de um ano. Olha, desculpe, não quero mais desperdiçar seu tempo aqui. Eu deveria só…
Lorna
Estendendo o braço para Lorna, Roche colocou a mão em seu ombro, numa tentativa de acalmar a garota. Lorna, que estava prestes a se levantar e sair, relaxou um pouco e prestou atenção na mulher do outro lado da mesa.
Tudo bem, Srta. Crawford. Você não precisa saber tudo desde o início. Mas você precisa começar de algum lugar. E se você tem a vontade de ir além, então vá além.
Roche
O sorriso de Roche agora era reconfortante. Lorna timidamente sorriu de volta, se tranquilizando na cadeira. Ela não respondeu a Roche, apenas acenou. Então a outra mulher continuou.
Por que não começamos vendo onde você se encaixa melhor em nossa operação? O que você acha, Lorna? Você começa na segunda-feira.
Roche
Próximo capítulo
"Parte 4"
Eles haviam caminhado por 5 horas agora, e no final do horizonte, o Sol começou a se pôr por trás das montanhas distantes dos Picos Sombrios. Khaen ainda não estava cansado, mas sabia que Garthas pro