Capítulo 3: A Corte das Sombras "Parte 2"
Foi um período muito estranho para Garthas Arwynax. Durante o último ano, ele esteve fugindo com Khaen sob sua proteção, de cidade em cidade, atravessando florestas, desertos, montanhas e mares. Ele sempre manteve um olhar vigilante sobre o garoto, e sempre avaliava seus arredores. Mas agora, hoje, ele caminhava sozinho por uma rua lotada, vendo mercadores montando suas barracas e cozinheiros colocando seus espetos bem preparados à mostra, enquanto crianças corriam de um lado para o outro, e nobres homens e mulheres desfilavam elegantemente em direção à praça principal. E Khaen não estava em lugar algum.
Só de pensar nisso, o corpo do Templário tremia um pouco. Mas, com uma respiração profunda, ele se acalmava e continuava a caminhar.
Relaxe, Garthas. Khaen está seguro. Esta é uma cidade segura. Você agora faz parte da Hallowguard, e a guilda protegerá o garoto de qualquer mal. Deixe-o viver, ele merece isso.
Garthas
Essas últimas palavras eram sempre o que o convencia a não ser tão rigoroso com o garoto. Afinal, era a verdade absoluta, e a única razão pela qual ele desafiou o Culto do Sol e fugiu com Khaen todos aqueles meses atrás. Para que ele pudesse ter uma vida, para que pudesse viver como queria, e não como alguém lhe dissesse, não como algum sacerdote — ou Deus — esperava dele. Foi isso que fez Garthas relaxar e aproveitar o Festival das Pérolas. Afinal, era um “dia de folga” para ele também.
“As melhores armas e armaduras”, dizia um mercador aqui, “Tudo está à venda, meu amigo. Tudo!” exclamava outro ali. Desde roupas, equipamentos, comidas e bebidas, até acessórios e alguns itens mágicos. Muita coisa podia ser encontrada na Praça Principal da cidade, onde uma pira estava sendo preparada para ser acesa quando o sol finalmente se pusesse. Do outro lado, jogos para as crianças e adultos alegres enchiam as tendas, prontas para receber pessoas em busca de diversão. Nas bordas da praça e nas ruas adjacentes, as tavernas já estavam preparadas para o grande número de pessoas. Garthas caminhava devagar, aproveitando cada passo, cada suspiro de ar. Ele prestava atenção às conversas das pessoas, primeiro por hábito, para ver se algo que elas diziam poderia representar algum perigo para ele ou seu protegido, mas depois apenas por curiosidade. Ele riu ao ouvir uma jovem comentar com sua amiga que achava que o ‘Daví’ iria chamá-la para sair naquela noite, e tentou manter uma expressão séria ao ouvir os pais reclamando de quanto seus filhos estavam gastando na feira, “e ainda nem são 7 horas!”.
De espírito leve, Garthas parou no balcão de uma taverna ao ar livre, perto da pira. Pediu uma cerveja, e a sorveu lentamente, saboreando cada momento daquela ‘vida cotidiana’, daquele ‘espírito festivo’ que ele tanto sentia falta dos seus anos mais jovens, ele agora percebia. Quando se deu conta, estava sonhando acordado sobre o seu passado, sobre as reuniões com seus companheiros cavaleiros, o dia de folga dos soldados, e o descanso que eles desfrutavam após uma longa semana de trabalho árduo. E desta vez tinha sido uma longa semana, uma semana que durou mais de um ano. Mas finalmente tinha acabado, pelo menos por enquanto. O descanso merecido finalmente havia chegado.
O sol já havia se posto quando Garthas se levantou e decidiu seguir em direção ao Templo, onde as principais cerimônias da Guilda seriam realizadas. Optou por pegar o caminho mais longo, contornando a praça e atravessando as ruas vizinhas — e não o caminho principal. Seu objetivo era ver mais pessoas, respirar mais o ar fresco antes de voltar aos seus deveres e, no fundo, garantir que tudo estava bem e que o lugar estava seguro. Ele não conseguia evitar essa última parte.
Ele notou que, quanto mais se afastava das ruas principais, mais escuro ficava. Havia menos pessoas, menos luzes nas ruas, e menos casas — ao menos em boas condições. Antes de retornar à rua principal que conectava o Portão da Frente à Praça, ele notou figuras sombrias nos cantos e nas extremidades das ruas, antes de perceber que eram apenas pessoas comuns que não participaram do Festival, por uma razão ou outra. Sua presença, sempre imponente naquela armadura pesada, fazia com que elas se escondessem ainda mais nas sombras. Ele se perguntou por que havia escolhido aquele caminho, e era como se algum sentimento tranquilizador guiasse seus passos naquela direção. Por um momento, ele se lembrou da primeira vez que a luz de Apollyon o tocou, e se demorou nesse pensamento por um tempo. Isso é, até que uma visão peculiar chamou sua atenção.
Encostado em uma parede em uma rua escura, longe de onde as multidões se reuniam, Garthas viu Lughner, cabeça baixa, respirando pesadamente. Ele levantou os olhos para olhar para o Draconiano, e Garthas notou que sua testa estava coberta de suor. Antes que ele pudesse dizer algo, Lughner levantou a mão, palma voltada para frente, e disse, com uma voz ofegante:
Não, não se aproxime. Fique onde está, e vá embora!
Lughner
A princípio, o guerreiro não soube como responder, então apenas obedeceu e não deu nenhum passo. Recuperando seu senso ao mesmo tempo em que o outro recuperava o fôlego, Garthas começou a questionar Lughner, mas foi interrompido pelo humano.
Fique longe deste lugar, por favor. Não volte aqui, não esta noite. Apenas confie em mim.
Lughner
E com isso, Luhgner se afastou de Garthas e virou a esquina. Demorou alguns momentos para Garthas segui-lo, mas quando chegou ao local onde Lughner estava e à esquina que ele virou, não encontrou nada. Apenas algumas lâmpadas a óleo iluminavam o caminho, mas não era um problema de visão, pois Draconianos enxergam bem em locais com pouca luz. Seus olhos dançaram ao redor, tentando encontrar qualquer pista de onde o erudito tinha ido, ou o que ele estava fazendo ali. Ele voltou ao local onde viu o homem primeiro e investigou o lugar, mas a única coisa que notou foi terra e sujeira na parede em que Lughner estava encostado, mas nada mais.
Por um tempo que pareceu longo, Garthas ficou ali, perdido em seus próprios pensamentos, tentando juntar as peças do que tinha visto. Seria uma ilusão? O que Lughner estaria fazendo em um lugar como aquele, e naquela situação angustiante? E para onde ele teria ido, como? O que o tirou desse transe foi o som dos sinos, anunciando a hora: 9 da noite. A cerimônia estava prestes a começar, e ele estava atrasado. Tentando afastar esses pensamentos, ele retomou seu caminho de volta ao Templo, andando mais rápido agora, para não se atrasar tanto para o evento. No entanto, a imagem daquela cena permaneceu em sua mente por um bom tempo.
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"Parte 3"
Já passava das 22h e o principal evento da Guilda ainda não havia começado. A maioria das pessoas ali presentes estava impaciente, incluindo (especialmente?) os membros da Guilda. Parecia que uma imp