Capítulo 3: A Corte das Sombras "Parte 4"
Enquanto corria pelas ruas bem iluminadas do Bairro Superior em Pearlhollow, cortando esquinas e tentando se manter fora do caminho principal, Lorna amaldiçoava seu instinto de ir para a esquerda em um momento tão decisivo. Não é que ela não gostasse daquela parte da cidade, onde os nobres aspirantes e os comerciantes conhecidos trabalhavam seu ouro na esperança de subir ainda mais na escada política – bem, ela não gostava -, mas mais porque essas ruas têm melhor iluminação do que outras partes e, portanto, era mais difícil para ela se esconder do Emissário.
Ela tentava correr o mais silenciosamente possível e notou as casas bem cuidadas e de melhor qualidade ali, o que certamente proporcionava uma vida cotidiana melhor na cidade. Lembrava-se de ter caminhado por aquelas ruas com seus pais, sempre que eles a levavam para o trabalho – o Concelho de Comerciantes ficava na área central do Bairro Superior. Agora, depois de tudo o que aconteceu, ela ressentia o lugar, as pessoas que se achavam ricas que viviam ali, e a si mesma do passado, que ficava tão feliz indo com papai e mamãe para o trabalho, achando os prédios, a vegetação e todas as pessoas bem vestidas tão bonitas.
Lorna segurou um rosnado na garganta, irritada, olhando ao redor e sem conseguir encontrar ruas escuras ou um beco onde pudesse se esconder. Havia lampiões em toda parte, e não só lampiões de óleo, mas também orbes mágicas. A ideia era boa. Em uma noite normal, essas ruas teriam guardas em cada bloco, patrulhas andando por aí garantindo que os cidadãos do bem do Bairro Superior estivessem seguros. No entanto, essa noite era diferente. Nenhum guarda estava ali, pois todos haviam sido chamados para o Templo após o ataque do Emissário. Quanto aos cidadãos, a maioria estava aproveitando o Festival, e aqueles que não estavam, deveriam ter recebido instruções para ficar em casa e trancar portas e janelas agora. E a luz, normalmente usada para fazer as pessoas se sentirem protegidas, agora servia apenas para impedir que Lorna desaparecesse da visão de seu perseguidor.
Bem, então. Vou ter que ser criativa.
Lorna
Ela sussurrou para si mesma, e parou, encostando-se em uma parede depois de virar à esquerda em uma rua. Olhou para trás, mas não viu sinal do Emissário. Por um momento, pensou que talvez ele não a seguisse, mas rapidamente se livrou desse pensamento. Seria melhor se ela estivesse preparada e ele nunca aparecesse, do que relaxar e ser pega de surpresa. Então, manteve-se alerta e olhou ao redor, tentando encontrar uma maneira de obter vantagem se – quando ele aparecesse.
Não muito atrás, o Emissário viu algumas luzes de rua se apagando a alguns quarteirões à frente e sorriu. Ela estava tentando enfrentá-lo, ele supôs. Sabia que ela não tinha chance em um combate um contra um, mas ela estava tentando tanto equilibrar as coisas, o que era fofo. Ele não acelerou o passo. Deixaria que ela esperasse o tempo que fosse necessário para que ele chegasse lá, absorvendo sua ansiedade.
E quando ele chegou, tomou seu tempo novamente. As luzes haviam sido removidas ou apagadas por dois quarteirões inteiros, com ruas estreitas e fundos de prédios. Era uma das poucas ruas abarrotadas que se podia encontrar no Bairro Superior, com caixas de madeira empilhadas de um lado, uma carreta cheia de caixas abertas com ferramentas e aparelhos de outro, e até o que parecia ser entulho e detritos em uma parte de um beco. Havia também a ‘parte superior’ da rua, onde a maioria das casas tinha algum tipo de chaminé, seja de tijolos ou um tubo de metal, e algumas também tinham varandas, seja um espaço grande onde uma mesa pequena e um par de cadeiras poderiam caber, ou uma menor, onde apenas vasos para plantas poderiam ser colocados. E Lorna poderia estar se escondendo em qualquer lugar.
Andando lentamente, ele examinava cada tijolo em cada parede, certificando-se de que não haveria surpresas para ele e tentando encontrar qualquer pista de onde ela poderia estar se escondendo. Ela provavelmente estava olhando para ele naquele exato momento, o que o deixava animado – ser a presa dessa vez, pelo menos por alguns segundos, até ela decidir que era o momento perfeito para atacar ou quando sua antecipação fizesse com que ela não pudesse esperar mais, cedo ou tarde ela sairia de seu esconderijo, arrogante e tão certa de si mesma, achando que o enganou e conseguiu derrotá-lo ou pelo menos feri-lo gravemente, evitando uma batalha mais longa que ela certamente perderia. Esse pensamento o deixava irritado, como esses mortais eram tão cheios de si, achando que poderiam se opor a Escolha do Destino e de alguma forma atrapalhar seus planos… Mas vê-los cair era a melhor parte, deixá-los subir tão alto, apenas para finalmente cair, eles mesmos sendo a causa de sua própria destruição. Com isso em mente, ele até considerou deixar a garota atingi-lo, desferir seu golpe e ver as chamas da esperança acenderem em seus olhos, apenas para vê-las se apagarem imediatamente enquanto ele a despedaçava, talvez até arrancando sua cabeça. Isso o fez sorrir novamente, dessa vez um sorriso maior, com a ponta dos dentes afiados aparecendo através dos lábios finos e pálidos.
Quando ele passou pela mesma rosa vermelha em um vaso na janela do segundo andar de uma casa pela terceira vez, seu sorriso havia desaparecido, e nenhum pensamento divertido estava mais em sua mente. Ele estava ficando cada vez mais impaciente. A garota não o atacou, nem atirou uma flecha das sombras, nem fez nenhum barulho ou movimento desde que ele chegou ali. E, assim que ele percebeu que talvez ela nem estivesse mais lá, mais algumas luzes se apagaram mais adiante. Naquele momento, ele estava furioso. Ele havia sido enganado! A garota não estava ali, esperando para dar um golpe, era apenas uma isca para atrasá-lo. E assim ele imediatamente se lançou em direção às luzes moribundas, correndo como um animal selvagem em uma caçada por comida. Sem pensamentos ‘brincalhões’ agora, ele a pegaria e a despedaçaria no momento em que visse ela!
Esse segundo local era muito mais aberto do que o anterior, era a praça principal do Bairro Superior: uma grande área com calçadas largas, jardins com flores coloridas em longos trechos de grama, bancos de pedra para aqueles que queriam relaxar e admirar a vista, e mais perto da outra extremidade da praça, o que parecia ser a entrada principal do outro lado, uma grande fonte de água (agora desligada), com uma estátua alta no centro, representando o Deus das Escolhas, padroeiro do defunto Concelho. Nada disso atraía a atenção do Emissário. Ele não tinha tempo a perder agora e, temendo que pudesse ser outra armadilha para atrasá-lo, ele vasculharia o local apressadamente, apenas lançando olhares aqui e ali. Ele estava focado nos lugares onde ela era mais provável de estar, como escondida atrás de um banco, ou se encolhendo em cima de uma das poucas árvores que existiam lá. Até agora, nada. Ele deu duas voltas ao redor da fonte, olhando dentro da água, ainda tão calma quanto vidro na piscina da fonte, e atrás da estátua, enquanto ela se erguia sobre sua figura, suficiente para esconder a lua atrás dela, quando ele estava perto o suficiente. Mas ainda assim, nenhum sinal da garota.
Ela havia escolhido a escuridão, e isso fez o Emissário baixar a guarda, ele podia ver isso agora. A escuridão era sua, ela só a pegava emprestada de vez em quando. Ele estava mais confiante no escuro, ele vivia lá, ela só passava por ali. Ele faria a garota se arrepender de ter apagado as luzes, enquanto ele preencheria todo aquele lugar com uma escuridão consumidora que ninguém ousaria se aproximar! Ele estava rosnando baixo enquanto imaginava a violência com a qual tomaria sua vida, tornando-a um exemplo para todos aqueles que se opusessem a Corte das Sombras.
Agora ele estava cansado dessa perseguição e se encontrou olhando para a saída oposta da praça, da que ele tinha vindo. Ele se aproximou da passagem de volta para as ruas – nenhuma luz havia desaparecido ali ainda, pelo menos, e assim que estava prestes a continuar, sem ter encontrado nenhum sinal da Humana ali, um som chamou sua atenção. Um som extremamente baixo de metal raspando contra uma superfície dura, mas suficiente para ele ouvir, fez o Emissário parar e ouvir. Então, algo voando pelo ar, mas antes que ele pudesse tentar imaginar o que era, ele viu um objeto passando sobre sua cabeça, atingindo a parede próxima a ele. O objeto imediatamente explodiu em chamas, e as línguas de fogo lamberam os dois lados dele, queimando um pouco de seu ombro e rosto, e o cercando em um anel de fogo. Ele sabia que havia caído em uma armadilha, mas não importava, pelo menos ela estava saindo de seu esconderijo para enfrentá-lo, então ele teria sua diversão.
O Emissário imediatamente se virou para olhar de onde a ‘bomba’ havia vindo, mas a única coisa que ele viu foi uma linha fina usada para propulsar o objeto, brilhando com a luz produzida pelas chamas ao redor e, por fim, pegando fogo também. Então ele sabia que ela não estava lá, era apenas uma distração afinal. O fogo foi se apagando pouco a pouco enquanto ele permanecia parado, tentando antecipar o próximo movimento dela. Ela não estava onde o fogo explodiu, ou ele a teria visto, e ela não estava de onde a bomba havia vindo. Não havia lugar próximo onde ela pudesse se esconder para atacar enquanto ele estivesse distraído, então… Ele se virou para a estátua, que estava a alguns metros dele, e viu, refletida na água, a sombra voando em sua direção, projetada pela pálida luz da lua. Ele olhou para cima, e naquele momento, depois de saltar do topo da estátua em sua direção, Lorna ligou o dispositivo mágico em sua mão que produzia luz, e ajustou-o ao máximo, cegando imediatamente o Emissário com seu brilho, atordoando-o apenas o suficiente para ela pegá-lo de surpresa. Depois de soltar o dispositivo de luz, Lorna cravou suas duas adagas em ambos os lados do pescoço dele e, com o peso do corpo, garantiu que os cortes fossem profundos e fatais, o suficiente para quase separar a cabeça do corpo. O homem não soltou nenhum som. Os pés de Lorna tocaram o peito da criatura, mas em vez de conseguir se apoiar, ela sentiu que o corpo dele parecia se desintegrar. As adagas estavam soltas agora, e tudo que seus pés encontraram foi uma massa molhada, como se ela tivesse saltado em uma bola de lama. O Emissário havia se transformado em uma poça de sangue, e perdendo o equilíbrio, Lorna caiu de costas em cima do sangue. Ela gemeu, e ficou deitada por alguns momentos, recuperando o fôlego, antes de se sentar ereta e olhar ao redor, certificando-se de que o demônio havia realmente desaparecido.
Ela suspirou e, sem dizer nada, levantou-se e tentou de alguma forma se livrar daquele sangue em suas roupas e cabelo, sem sucesso. Ainda mais irritada do que antes, ela balançou a cabeça e seguiu em direção ao interior do Bairro Superior, sem pressa agora.
Próximo capítulo
"Parte 5"
Se Garthas conseguisse escapar da cidade, além dos muros, ele poderia chegar a um bosque ou qualquer grupo de árvores e despistar o Emissário lá, ou pelo menos essa foi sua primeira ideia. Ficar dent